Pandemia e incertezas geopolíticas na indústria brasileira

Artigo examina impactos nas cadeias globais de suprimentos e suas reações nos conselhos de administração no Brasil

  • 29/08/2022
  • Alexis Novellino
  • Artigo

A guerra entre Rússia e Ucrânia trouxe mais do que aumentos nos preços de energia ou dificuldades na realização de negócios com os países envolvidos. O conflito também contribuiu para questionar alguns dos paradigmas da globalização e reforçar um movimento que vem impactando as cadeias globais de suprimento e trazendo novos desafios e oportunidades para os conselhos de administração das empresas brasileiras. A pandemia da COVID-19 e seus respectivos lockdowns já vinham provocando grande instabilidade nas cadeias globais de suprimentos. A guerra no Leste europeu trouxe ainda mais instabilidade e provocou uma reflexão sobre os riscos embutidos nos paradigmas da globalização.

O movimento da globalização teve início no pós-guerra, mas ganhou velocidade nos anos 90 após o fim da Guerra Fria. Neste período, de cerca de seis décadas, nações estreitaram laços, instituições multilaterais foram criadas para promover maior estabilidade e prosperidade global; tecnologias promoveram a integração e quebra das barreiras de comunicação, blocos econômicos e abertura de mercados promoveram comércio de forma inédita, e o dólar substituiu o ouro como meio de pagamento nas transações internacionais. Neste contexto, as empresas realocaram geograficamente seus negócios e parques industriais para maximizar sua eficácia e produtividade, intensificando estratégias de lean manufacturing, desverticalização, outsourcing e offshoring.

Como resultado deste processo, houve um aumento substancial da especialização e da concentração da produção industrial em alguns setores e países. No caso da China, o país se tornou o principal parque industrial do planeta. Sua participação na produção industrial mundial saltou de 8,6% em 2004, para 27% em 2018, segundo dados do Banco Mundial. Para efeito de comparação, a participação do Brasil na produção industrial global permaneceu em 1,4%, tanto em 2004 como em 2018. No setor de eletrônicos, a China responde por 38% de toda a produção global de acordo com números da TrendForce de março de 2021. Em têxteis, esta participação está em 35% revela a UNCTADstat.

Mas isto não ocorreu somente na China. No segmento de semicondutores, Taiwan alcança 63% de participação na produção mundial, conforme divulgou a TrendForce em 2021. No caso do Brasil, desenvolvemos algumas posições de destaque, notadamente na agroindústria, como é o caso da produção de sucos de laranja, que correspondem a 62% da produção mundial, como mostrou a Statista, em 2022.

Esta concentração não era tanto um problema enquanto houvesse estabilidade geopolítica, fronteiras abertas e fluxo ininterrupto de mercadorias, serviços e pagamentos. Infelizmente, estas premissas não são mais verdades absolutas. Ao longo dos últimos anos, vimos portos e aeroportos fechados por pandemias, guerras e interesses geopolíticos. O fluxo ininterrupto e estável de pessoas, mercadorias e dinheiro deixou de ser uma realidade inquestionável. O suprimento ou fornecimento de insumos ou produtos acabados foi interrompido em várias indústrias. Outras conseguiram manter suas atividades operacionais, mas com forte impacto em custos ou vendas. Um dos termômetros desta turbulência foi o aumento dos valores do frete internacional, principalmente de containers, que “explodiu”, chegando a subir mais de 500%, em dólar, em alguns momentos.

Não sabemos ao certo quanto tempo irá durar este cenário de instabilidade geopolítica, ou quão volátil serão os próximos anos, mas o aumento das tensões entre EUA e China, China e Taiwan e Rússia e resto do mundo ocidental nos dão algumas pistas de que ainda teremos turbulências pela frente, e, neste sentido, temos que repensar nossas matrizes de risco e estratégias de negócio.

Foi neste contexto que recebi, recentemente, um convite para facilitar uma conversa sobre este tema, com líderes empresariais e conselheiros de administração associados do IBGC.

Fiquei honrado e impressionado com a qualidade das contribuições e a inteligência coletiva do grupo e gostaria de compartilhar aqui, alguns dos insights e sugestões feitas para orientar as pautas estratégicas das empresas industriais brasileiras:

- Reinvenção da cadeia de suprimentos, incluindo maior flexibilidade logística e a certificação de fornecedores de 2º e 3º nível, locais ou regionais; ou ainda a substituição por insumos alternativos e sua análise na performance do produ- Agilidade na busca por novos mercados, principalmente por aqueles que possuem concentração de vendas nas regiões mais turbulentas do ponto de vista geopolítico.

- Análise e revisão de portfólio de produtos e insumos para fazer frente aos novos riscos de volatilidade de preço e disponibilidade.

- Aumento dos estoques de segurança dos insumos onde há concentração de fornecimento internacional. A discussão pondera ainda os efeitos colaterais do aumento de capital de giro e possibilidade de repasse para os preços, do aumento do custo do capital de giro e eventual aumento de custos dos novos fornecedores.

- Revisão das medidas de segurança e proteção dos dados estratégicos da empresa, incluindo uma análise sobre hospedagem e das rotas de acesso aos dados, e prevenção nos casos de invasão não autorizada, ou restrição de acesso aos dados por ações governamentais e/ou atos de guerra.

Além das iniciativas acima, surgiu um questionamento: E se olhássemos o momento de turbulência atual como uma oportunidade para desenvolver novos mercados e competências sustentáveis no longo prazo?

Entendemos ser uma estratégia possível, mas que depende da mobilização de esforços e recursos no investimento em pesquisa e desenvolvimento e, principalmente, em capital humano. Vejamos o exemplo do iPhone da empresa Apple: seu valor não está na industrialização do alumínio, plástico ou silício de seus componentes, mas na marca, na propriedade intelectual e no valor de rede de sua plataforma digital. É o capital humano que cria produtos inovadores, negócios sustentáveis, diferenciados e com participação cada vez maior de negócios e plataformas digitais.

Neste sentido, fizemos algumas provocações:

- Primeiro, por que não revisitamos nossa liderança, inclusive a composição de nossos conselhos, e avaliamos sua capacidade de inovar e criar um ambiente seguro e propício a maior ousadia e experimentação? Falamos do caso da Gerdau, um gigante industrial brasileiro, cujo conselho de administração ousou mudar o perfil de seu CEO, criando um ambiente mais inovador, com metas agressivas de treinamento e desenvolvimento de novos negócios além do aço.

- Por que não se aproximar mais dos polos e ecossistemas de inovação que se desenvolveram no Brasil nos últimos anos?

- Por que não procuramos aproveitar melhor a Lei do Bem como incentivo ao financiamento da inovação? Claramente pareceu ser uma oportunidade ainda pouco conhecida e subaproveitada.

- Por que não repensar e reviver nossas parcerias com universidades, parques tecnológicos e agências de fomento e impulsionar nossos projetos de pesquisa?

- Por que não alavancar mais as parcerias com entidades como SENAC e SENAI para formação de pessoas nas novas competências desejadas?

As iniciativas acima são complexas. Dependem de diversas habilidades, de coordenação e cooperação entre lideranças dentro e fora de nossas empresas, mas com potencial para ajudar nossas indústrias a desenvolver novas vocações e romper com o paradigma de produzir commodities e produtos de baixo valor agregado. São iniciativas ousadas e com potencial de gerar resultado no médio e longo prazo., ou seja, são temas perfeitos para os nossos conselhos de administração!

Este artigo foi produzido a partir da 3ª edição do IBGC Dialoga que ocorreu no período de março a junho de 2022. A iniciativa se baseia na formação de grupos, a fim de criar espaços de debate entre pares, trazendo temas da governança corporativa em setores específicos. Na temporada, os grupos foram organizados nos setores: Agro, Empresas de Controle Familiar, Educação, Financeiro, Indústria e Startups e Tech. Alexis Novellino, que assina este artigo, foi instrutor especialista do Dialoga – Indústria, na edição.

Sobre o autor: Alexis Novellino é membro de conselhos de administração, conselheiro certificado CCA+ e instrutor associado do IBGC.

Este artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC.

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