A adoção da governança pelas empresas rurais é assunto que tem sido debatido cada vez com maior frequência no ambiente do Agronegócio Brasileiro.
Os top 5 motivadores para o olhar sob a governança são a sucessão, os riscos corporativos/organizacionais, definições de papéis e responsabilidades e finalmente a profissionalização da gestão. Se considerarmos que existe essa clareza no universo de médios e grandes agricultores, que correspondem a aproximadamente 500 mil empreendedores rurais, qual a razão para que a adoção da governança ainda esteja em estágio primário?
A primeira delas é a falta de informação adequada e “traduzida” para o setor. O conceito de governança teve sua maior difusão nas corporações, erroneamente ligado apenas ao ambiente das metrópoles. Essa falta de material que dialogue com a realidade no campo não colabora com a adoção de metodologias práticas e aplicáveis, o que contribui para outras percepções equivocadas sobre o tema, como receio de aumento de burocracia, aumento de custos ou medo da descentralização de poder.
O fato de o principal motivador da governança ser a sucessão é preocupante, pois, para que se tenha um negócio perene, passível de sucessão, é preciso que se adote uma boa gestão e a partir de aí criar processos e controles que trarão clareza sobre o negócio e darão o direcionamento de qual a melhor estratégia futura. O maior valor da governança não é o “guia” da sucessão, apesar de esta aparentemente ser a dor mais intensa, por tratar de sensibilidades familiares na maioria dos casos.
Isso traz uma reflexão crítica aos fomentadores da boa governança. Será que estamos realmente focando nos argumentos principais e mais importantes no processo de sensibilização desse público ao assunto?
Certamente, a maior exigência de governança por parte de financiadores, bem como aumento da complexidade na cadeia com exigências de rastreabilidade e de práticas sustentáveis, pressionam o setor na direção certa, mas a uma velocidade ainda baixa.
A provocação é sobre qual deveria ser o papel dos stakeholders nesse processo. A melhoria no nível de governança dos agricultores suplanta o interesse do próprio agricultor. Fornecedores ganham por se relacionarem com negócios mais sólidos, transparentes e profissionais, reduzindo assim riscos financeiros. Clientes ao longo da cadeia ganham por comprarem produtos sabidamente provenientes de agricultores que garantem a proveniência de seus produtos, bem como o respeito a práticas sustentáveis.
Fazendo um paralelo com um projeto de sucesso no agronegócio, em 2001 o InpEV (Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias) foi criado para atender a Lei Federal nº 9.974/00, que estabeleceu os princípios para o manejo e a destinação ambientalmente correta das embalagens vazias de defensivos agrícolas, entretanto, determinava que as responsabilidades fossem compartilhadas entre os agentes da cadeia, isto é, agricultores, distribuidores, cooperativas, indústria e poder público. Quando a Lei foi sancionada, havia um desconforto no mercado de como uma exigência complexa, envolvendo uma parte importante da cadeia poderia ser implementada. Hoje, o Brasil é o País que mais recicla embalagens de agrotóxicos (94% de embalagens plásticas) através de processo de logística reversa.
Que aprendizado esse caso peculiar, aplicado ao agronegócio, nos traz? O primeiro é o da identificação de que toda a cadeia do agronegócio ganha com a adoção da governança dentro e fora da porteira, isso por si só, definindo uma corresponsabilidade no fomento das boas práticas.
Além disso, é preciso haver uma liderança forte no processo. Nesse quesito existem múltiplas possibilidades, mas certamente cooperativas e distribuidores, por estarem no meio da cadeia, poderiam ter um papel fundamental para a construção de um processo bem estruturado. Por fim, a comunicação. Se a primeira barreira de adoção de boas práticas é a falta de material adequado ao segmento, formadores de opinião na área de governança com interesse em atuar no setor poderiam auxiliar na geração de inteligência aplicada ao Agro. É comunicando de forma adequada, que se educa!
Como partes envolvidas na cadeia, precisamos continuar a estudar o assunto, entender as particularidades, mas principalmente começar a agir!
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Este artigo foi produzido a partir da 4ª edição do IBGC Dialoga que ocorreu no período de agosto a novembro de 2022. A iniciativa se baseia na formação de grupos, a fim de criar espaços de debate entre pares, trazendo temas da governança corporativa em setores específicos. Na temporada, os grupos foram organizados nos setores: Agro; Empresas de Controle Familiar; Energia; Mudanças Climáticas; Startups; Terceiro Setor e Varejo. Patrícia Bueno, que assina este artigo, foi instrutora especialista do Dialoga – Agro, na edição.
Sobre a autora: Patrícia Amélia Bueno é conselheira de administração; membro de comitês de sustentabilidade; fundadora da EasyHub, especializada em curadoria e governança da inovação; investidora e mentora de startups.
Referências: Artigo: “Agronegócio – Oportunidades que batem à porta” – Patrícia Amélia Bueno/IBGC – 2022; https://www.inpev.org.br/index
Nota de rodapé: *O IBGC considera o recorte do médio agricultor aquele que possui faturamento maior que R$ 20 milhões.