Os desafios dos últimos anos, estimulados pela pandemia, aceleraram a reflexão sobre a relevância da saúde e bem-estar. De acordo com a OMS, o Brasil é o país mais ansioso do mundo, situação que afeta em torno de 10% da população. É também um dos primeiros em número de ocorrências de síndrome de burnout, que desde janeiro é considerada doença ocupacional. O burnout é caracterizado pelo esgotamento, que resulta do estresse crônico no trabalho. Possui três dimensões: sentimento de exaustão, redução da eficácia profissional e negativismo sobre o trabalho. Pode ser analisado sob dois aspectos: o primeiro, focado nas causas - o olhar para a cultura, a atuação da liderança e as práticas de gestão - e o segundo, pelo viés das consequências, ou seja, pelos impactos gerados.
Impactos
Entre os riscos envolvidos, podemos citar os financeiros, trabalhistas e reputacionais, todos com sérias implicações. De acordo com a Escola de Economia de Londres, a alta incidência de depressão e ansiedade gera perda de R$ 63 bilhões anuais no Brasil. Em um país com estrutura tributária complexa, é fundamental observar os efeitos das doenças ocupacionais nos encargos previdenciários. Dependendo da classificação de risco da empresa no CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) para fins de cálculo do RAT (Risco Ambiental do Trabalho), os percentuais de incidência sobre a folha de pagamento variam de 1 a 3% (risco leve, médio ou grave). Além disto, foi criado o FAP (Fator Acidentário Previdenciário), dispositivo que pode reduzir ou majorar o % de pagamento. Caso a empresa tenha queda no volume de afastamentos por acidentes e/ou doenças, pode ter redução de até 50%, mas, se ocorrer o inverso, pode ser penalizada em 100%, ou seja, se for uma empresa que paga alíquota de 3% em função de seu risco, ela pode ter um ajuste para 6% sobre sua folha. Lembrando que ainda existem outros custos - o afastamento por burnout tem todas as implicações de qualquer doença ou acidente de trabalho: licença remunerada de 15 dias e, permanecendo o afastamento, estabilidade no emprego após retorno. Em casos extremos, aposentadoria por invalidez. Não podemos deixar de citar os riscos correlatos, caso o cenário resulte em reclamatória trabalhista: danos morais, materiais, reintegração ou rescisão indireta. Além disto, a situação influencia a percepção dos órgãos fiscalizadores sobre a empresa.
É fundamental também não nos esquecermos de um risco relevante para a governança corporativa: o reputacional. A questão presente para todos os stakeholders envolvidos é, se a empresa é um agente gerador de doenças ocupacionais e nada faz para mudar, é com esse player que quero me relacionar?
A pesquisa “Carreira dos Sonhos 2022”, do grupo Cia de Talentos, com mais de 117 mil entrevistados, identificou que o aspecto mais valorizado no trabalho hoje - seja para jovens, média gestão ou alta liderança - é como este afeta sua vida, isto é, bem-estar e qualidade de vida. As pessoas estão ressignificando o trabalho e repensando o que esperam das organizações enquanto marca empregadora. Isso sem contar na relevância do tema quando a empresa pensa em cenários futuros, como abertura de capital.
Papel dos Conselhos
A publicação “Conselhos de Administração: prioridades para a agenda de 2022”, produzida pela KPMG, reforça que os conselhos vivem um momento crucial para ajudarem suas empresas a redefinirem suas operações para não apenas sobreviverem ao momento pós-pandemia, mas para prosperarem e se tornarem mais ativas na resolução dos problemas de gestão que afetam seus ambientes interno e externo. O olhar atento, voltado para as necessidades emocionais dos colaboradores permeia as prioridades definidas no estudo, pois define a essencial conexão das pessoas com as empresas.
É recomendado então que os Conselhos identifiquem indicadores relevantes sobre o tema, permitindo atuação preventiva e a melhor tomada de decisão. Sob o ponto de vista financeiro, por exemplo, é fundamental acompanhar os custos tributários de folha já mencionados. Ao olhar processos, buscar evidências da existência de admissionais, periódicos e demissionais de qualidade, visando proteger empregado e empregador. Evidências também sobre ambiente e práticas de gestão saudáveis, senso de justiça e respeito, com líderes capacitados e que administrem situações momentâneas de grande pressão para que não se transformem em modelos recorrentes. E, finalmente, garantir coerência com os valores e a cultura desejados.
As ações serão traduzidas em credibilidade para empresas e em suas contribuições para o exercício da Agenda Positiva proposta pelo IBGC. Nós, conselheiros e conselheiras, temos a responsabilidade pela estratégia e pela cultura que levam à longevidade das organizações, bem como pela construção de uma sociedade melhor por meio da adoção de princípios e boas práticas de governança corporativa.