“A guardiã da lei é a ética”, diz Lélio Lauretti

Em entrevista, o professor e cofundador do IBGC fala sobre a importância das empresas na transformação social

  • 17/05/2019
  • IBGC
  • Bate-papo
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Aos 91 anos, Lauretti mantém sua agenda lotada. Além dos cursos do IBGC, dá aulas em outras duas escolas de negócios e prepara-se para lançar um livro sobre códigos de conduta, escrito com a professora e consultora Adriana de Andrade Solé. A vitalidade, diz, é resultado da atividade intensa, tanto física quanto mental. “Exercito a cabeça decorando poesias”, conta. A prática mostra-se exitosa. A boa memória de Lauretti resgata sua trajetória profissional com facilidade, iniciada no Banco do Brasil. Formado em Economia, fez especialização na Harvard Business School, onde conheceu Bengt Hallqvist, um dos idealizadores do IBGC. Em 1995, Lauretti juntou-se ao grupo que fundou o instituto, transformando-se numa das principais vozes da governança corporativa no Brasil. Na entrevista a seguir, Lauretti faz uma análise do mundo corporativo atual, das tendências empresariais e avalia o papel da governança corporativa, além de compartilhar algumas dicas para a vida longeva e produtiva.


Como o senhor analisa o mundo corporativo atual?

O século 20 foi de progressos inacreditáveis na ciência, mas também trouxe uma carga extremamente negativa. Tivemos duas guerras mundiais e ditaduras violentas como a de Joseph Stalin na União Soviética, que promoveu o grande expurgo contra seus opositores políticos, e de Mao Tsé-Tung na China, cujo regime resultou em dezenas de milhões de mortes. O século passado foi dominado pelo mercado, onde prevaleceu a economia liberal. Houve uma grande concentração de riqueza, com homens com fortuna pessoal maior do que o PIB de muitos países. O poder também foi muito centralizado. Não é possível que uma elite de países que representam 10% da população, formado por Estados Unidos, União Europeia, Canadá, Japão e Austrália, defina os rumos de todo o planeta. No século 21, devemos fazer o esforço de deixar de lado o que foi feito de errado e ficar com as conquistas positivas, especialmente o respeito aos direitos humanos. Entramos no novo século em uma condição nova, com o mundo interconectado e com as pessoas pensando no bem da sociedade. Até aqui caprichamos na gestão empresarial, com as companhias melhorando seus níveis de produtividade, eficiência e rentabilidade. Agora, as empresas se posicionam como fator de peso de mudança da sociedade.

Podemos dizer que estamos em uma transição do sistema capitalista?

O capitalismo do século passado era muito ligado a questões financeiras. O capitalismo moderno é integrado, diversificado e amplo. O valor da companhia não é medido apenas pelos seus resultados financeiros. Temos diversos ativos que asseguram o cumprimento do papel da empresa perante a sociedade. Temos capital humano, intelectual, de relacionamento, ambiental e político. Para cada tipo de atividade existe um capital mais relevante. O capitalismo se expandiu. Estamos dando um passo gigante e o capitalismo em sua versão integral, com a valorização não somente do dinheiro, vai dominar completamente o mercado.

Qual o papel da governança corporativa neste processo de transformação?

A governança corporativa tem que conciliar os resultados financeiros com princípios éticos e atuação socialmente responsável. O objetivo é garantir a longevidade das empresas. Caminhamos muito na disseminação da governança, que atualmente consegue ocupar 30% ou 40% da preocupação da administração. Porém, em muitos casos, essa ênfase acontece porque é bom para a imagem. Temos que transformar esses princípios sociais em cultura empresarial. A responsabilidade do administrador será utilizar a empresa para o bem-estar da sociedade. A premissa de que a função da empresa é gerar riqueza para os sócios não vale mais. Dentro desse conceito tudo seria lícito: agredir a natureza, pagar o menos possível para os empregados ou obter benefícios fiscais para maximizar o lucro seria permitido. Isso não é gerar riqueza, pois a empresa está criando valor para quem? A opinião pública está mais esclarecida e as prioridades das empresas vão mudar. A ética ganhará cada vez mais espaço.

A governança corporativa terá que mudar?

Em um mundo interconectado, em processo de mudanças tecnológicas e de reequilíbrio de forças políticas e econômicas mundiais, os riscos se multiplicaram para o infinito. Não se preocupar com governança corporativa é um risco para as empresas. A governança garante segurança, controle e avaliação, fatores essenciais para a manutenção dos negócios. No capitalismo do século 21, a empresa precisa perceber que não há conflito entre o interesse econômico e o interesse social. 

Pode nos contar sobre o livro que está prestes a lançar? 

O título é Código de conduta: evolução, essência e elaboração – A ponte entre a ética e a empresa, que escrevi com Adriana de Andrade Solé. O livro aborda três temas. A evolução histórica dos códigos, resgatando documentos de ordem moral, religiosa e ética que datam de até 5 mil anos. Depois, são analisadas todas as imbricações desses códigos com temas como corrupção e integridade. A publicação finaliza abordando como se elabora um código de conduta.

Episódios recentes nos mostraram que a confecção de códigos não impede más práticas. Como podemos tornar as regras realmente eficientes?

As empresas têm código de conduta, políticas empresariais, normas internas e regulamentos de compliance. Se regras fossem suficientes, não teríamos acidentes de trânsito, pois o nosso código é uma perfeição. Temos que falar sobre ética, sobre o respeito pelas pessoas e pela lei. O código de conduta é o instrumento para formar a cultura ética nas empresas. Mostramos que o guardião da lei não é o juiz, o promotor de justiça ou o policial. A guardiã da lei é a ética. 

Qual é o segredo de tanta vitalidade?

Atividade física e mental intensa. A cada dois dias faço ginástica com orientação de professor. Descanso um dia, mas faço esteira. Durmo bem. Vou me deitar às 22 horas e às 5h estou de pé. Uma noite mal dormida é como ir para o cheque especial. Alimentação é importante. Como cinco vezes ao dia, em pequenas porções. Não entro no que chamo de faixa de gasa: gordura, sal e álcool. Sempre digo: não use a primeira metade da vida para estragar a segunda. Leio livros de manhã e acompanho Veja, Exame, Bloomberg, Valor Econômico, Estadão e as revistas RI e Capital Aberto. Exercito a cabeça decorando poesias. É uma forma agradável de treinar a memória. Sei declamar o soneto de Camões que caiu no meu exame de admissão do Banco do Brasil em 1946. Completarei 92 anos em outubro. Tenho noção da minha realidade e cada dia se torna mais importante, muito mais do que há 20 ou 30 anos. Tenho avareza com meu tempo porque sei que ele é curto.

Confira alguns trechos da entrevista

Finalidade da empresa

Capitalismo moderno

Governança melhora o mundo

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