Em uma perspectiva geopolítica global, a transição energética é o olho do furacão na agenda de sustentabilidade em face às mudanças climáticas. Contudo, é preciso fazer uma ressalva: o chamado “setor de energia” não é homogêneo. É composto de diferentes modelos de negócio e mecanismos de criação de valor, tendo como pano de fundo um conjunto multivariado de companhias e grupos econômicos estatais e privados, nacionais e internacionais, resultando em um mosaico empresarial com porte, estratégias e propósitos assimétricos e ocasionalmente convergentes entre si.
O Brasil está preparado para esse cenário?
No Brasil, a União exerce constitucionalmente uma influência dominante, seja como poder concedente e/ou autorizativo, seja como regulador normativo e fiscalizador, em energia elétrica, energia nuclear e petróleo e gás natural. O Ministério de Minas e Energia exerce um papel tutelar tanto das políticas públicas como das agências ANEEL e ANP, reguladoras e fiscalizadoras na prestação dos serviços de interesse público definidos constitucionalmente para o tema “energia”.
Já o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) exerce papel tutelar no desenvolvimento das políticas públicas para energia nuclear através da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Aos estados da federação é reservado o papel exclusivo de atuar como poder concedente, normativo e fiscalizador na distribuição de gás canalizado, além de, mediante convênio com a União, atuar na fiscalização sobre a prestação dos serviços de distribuição de energia elétrica nos seus respectivos territórios, em articulação com a ANEEL.
Considerando-se o escopo de políticas públicas e de agentes de regulação e fiscalização para o domínio ambiental e tributário, o mosaico se amplia, pois as competências da União, Estados e Municípios tendem a ser concorrentes entre si e seu alinhamento é fortemente impactado pela volatilidade na governança das políticas públicas.
Sem falar nas atuais tensões geopolíticas, decorrentes da guerra entre Rússia e Ucrânia, que acarretam desequilíbrios de oferta e, consequentemente, volatilidade de preços de commodities energéticas.
Perguntas provocativas aos conselhos e conselheiros de administração: volatilidade das políticas públicas
Avaliar o grau de prontidão do ambiente de negócios brasileiro à agenda de transformações político-institucionais, socioeconômicas e tecnológicas deste século 21, dado o protagonismo que o aparelho de Estado e de Governo exerce no campo da energia, envolve necessariamente compreender o impacto da volatilidade das políticas públicas sobre o direcionamento estratégico e a geração e preservação de valor de longo prazo em face ao modelo de negócio das empresas energéticas.
Ao longo das sessões de debate da 4ª edição do IBGC Dialoga Energia, em 2022, a palavra “segurança” se destacou, acompanhada de diversos adjetivos: “segurança jurídica”, “segurança energética”, “segurança institucional”, todos associados a uma percepção de que ainda há um vácuo a ser ocupado pela “governança das políticas públicas”.
A condução do “ciclo das políticas públicas” encontra barreiras devido a questões associadas à “governabilidade”, definida como a capacidade do Estado-Nacional em desenvolver e implantar políticas públicas, contando com o apoio político-institucional de forças representativas da sociedade.
Este é um problema-raiz para os conselhos de administração, não somente de empresas energéticas. E requer atenção pelos conselheiros no direcionamento estratégico através das políticas de relacionamento com o Poder Público, conciliando regras de conduta ética na interlocução com as autoridades com uma maior consistência e transparência na vocalização de interesses através das entidades representativas e pelos grupos econômicos atuantes nos diferentes subsetores que compõem a indústria de energia.
Perguntas provocativas aos conselhos e conselheiros de administração: responsabilidades dos administradores
Ao mesmo tempo, o grande desafio, não só para os conselhos de administração de empresas e grupos econômicos ligados à cadeia de produção e distribuição de “energia” em sentido amplo, é a frágil coexistência pacífica na conciliação de interesses de shareholders, com foco na preservação e/ou captura de resultados de curto prazo, e as mudanças defendidas por stakeholders no sentido de acelerar transformações expressas na agenda ESG, sobretudo pelo papel central da transição energética na mitigação dos impactos ambientais. Indiscutivelmente uma aceleração em direção a um dilema: nossa perspectiva histórica é limitada.
Transformações estão se dando em uma escala temporal sem paralelo na história: estamos nos primórdios de um modo de produção capitalista “digital” ou no preâmbulo do que a história virá a registrar como uma transição para um “capitalismo consciente e/ou de stakeholders”?
Ampliando a consciência situacional como um passo essencial
Como estabelecer uma agenda estratégica que alinhe: mudanças e aperfeiçoamentos no modelo de governança das organizações; prestação de contas (accountability) e mitigação de impactos decorrentes de externalidades negativas ambientais, sociais e de governança?
Sem dúvida, é um longo enunciado, mas, na essência, é disso que se trata o caos contemporâneo, versão século 21. As sessões de debate ao longo do IBGC | Dialoga Energia não necessariamente construíram “respostas definitivas” mas ampliaram a consciência situacional de que a mudança é inevitável. E sua jornada, como a história nos ensina, não é uma linha reta.
Este artigo foi produzido a partir da 4ª edição do IBGC Dialoga que ocorreu no período de agosto a novembro de 2022. A iniciativa se baseia na formação de grupos, a fim de criar espaços de debate entre pares, trazendo temas da governança corporativa em setores específicos. Na temporada, os grupos foram organizados nos setores: Agro, Empresas de Controle Familiar; Energia; Mudanças Climáticas; Startups; Terceiro Setor e Varejo.
Sobre o autor: Eduardo José Bernini foi instrutor especialista do Dialoga Energia, na edição. É mestre em Políticas Públicas pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo (2015),; tem MBA em Governança Corporativa pela FIPECAFI (2013) e é economista pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (1980). Também é conselheiro de administração certificado por experiência pelo IBGC (2009).