Conselheiros com ideias diferentes favorecem transformação

Choque de opiniões e divergências são positivas e não devem ser vistas como sinal de deslealdade

  • 19/06/2019
  • IBGC
  • Bate-papo

Betania Tanure é doutora em Administração pela Brunel University, na Inglaterra. 

Os conselhos de administração precisam ressignificar o conceito de lealdade dentro do colegiado. De acordo com Betania Tanure,  conselheira, sócia fundadora da consultoria BTA e professora convidada da escola francesa de negócios Insead, na cultura brasileira, lealdade significa inexistência de conflito e fidelidade aos indivíduos. Por esta razão, divergências de ideias acabam não sendo bem administradas nos conselhos, pois sinalizam deslealdade dos membros. Essa postura avessa ao conflito de opiniões compromete o desenvolvimento das companhias. “Inovação e transformação pressupõem, necessariamente, pensar diferente e, consequentemente, choque de ideias”, afirma. Ela será uma das palestrantes do 7º Encontro de Conselheiros do IBGC, que acontece no próximo dia 24 de junho, em São Paulo, sob o tema “Conselhos que transformam”. Betania falará sobre os fatores-chave de sucesso para atuação de conselhos em negócios que se transformaram.

IBGC: Quais as questões que o conselho de administração precisa estar atento para não comprometer a transformação?

Betania Tanure: Eu resumiria os principais pontos com a palavra calibragem. O conselho de administração precisa calibrar corretamente as estratégias e os resultados de curto e longo prazos, entre permanência ou ruptura dos negócios, entre hard skills (financeiras e de gestão) e soft skills (relacionadas à cultura e propósito), ou ainda, entre o conhecimento geral do mundo empresarial e o conhecimento específico do negócio. Outro fator fundamental é garantir que exista, de fato, independência dos conselheiros independentes.

Como garantir essa independência?

Ressalto dois pontos. O conselheiro independente não pode depender financeiramente de seu trabalho no colegiado. A independência começa pela autonomia financeira. O conselheiro não pode ter medo de perder a cadeira devido a suas posições e opiniões. Outro desafio é ressignificar o conceito de lealdade nos conselhos de administração. Na cultura brasileira, lealdade é a não existência de conflito. Esta é uma construção histórica e subjetiva. No entanto, inovação e transformação pressupõem, necessariamente, pensar diferente e, consequentemente, choque de ideias. Nas culturas brasileira e latina, de modo geral, lealdade também significa fidelidade aos indivíduos. Quando surgem conflitos de opiniões, essas divergências acabam ameaçando as relações entre os conselheiros, pois esse embate não fica apenas no campo profissional, mas implica em enfrentamentos pessoais.

A diversidade agrava os conflitos?

A questão da diversidade nos conselhos ganha ênfase em diferentes fóruns. Considero esse tema muito importante, mas de maneira geral, acho que está sendo tratado de maneira muito estreita. As diferenças de gênero, de formação e de experiências são muito discutidas. Mas a diversidade, de fato, está relacionada à forma como o indivíduo enxerga o mundo, o que eu chamo de modelo mental. Essa é uma questão difícil de lidar, pois pode gerar conflitos dentro do conselho.

É possível melhorar a gestão de conflitos no conselho?

A presença de conselheiros independentes ajuda a equilibrar o ambiente em relação a diferenças de opinião e pontos de vista. Mas, repito, é importante garantir a real independência desses conselheiros. No caso de conselhos avessos a conflitos, não existe uma solução única e padronizada para melhorar o ambiente, pois ela depende do grau de maturidade do conselho e dos seus membros e do perfil de liderança do presidente do colegiado. Antes de implementar alguma ação, é fundamental que se tenha uma visão clara de como o conselho lida com as situações de conflito. Processos bem feitos de avaliação dos conselheiros possibilitam esse diagnóstico. Com essa avaliação é possível desenhar a solução correta para o ambiente. Em casos mais complexos, o trabalho de desenvolvimento pessoal dos conselheiros precisa de auxílio externo.

A cultura organizacional influencia a transformação digital?

Os maiores desafios da transformação digital não são questões tecnológicas. Tecnologia você pode comprar, por mais cara que ela seja. A maior dificuldade é ter uma cultura que seja digital. Não adianta a empresa adotar processos digitais e sua cultura se manter analógica. Para mudar esse cenário, o primeiro passo é analisar, estrategicamente, como é a cultura organizacional. Sem uma boa leitura da situação não é possível saber para onde ir no futuro. A empresa pode tomar um caminho de transformação quando ainda não precisa ou não se transforma quando necessário. Esse mapeamento, especificamente, deveria ser feito por um agente externo. As pessoas da organização não são neutras e têm viés, o que pode comprometer a avaliação e, consequentemente, na elaboração das estratégias de inovação.

 

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