“Os conselhos precisam se proteger com diversidade”

Ronaldo Ferreira Jr, fundador do programa MDI, defende que inclusão no mundo corporativo abre portas para inovação

  • 26/02/2021
  • Ana Paula Cardoso
  • Bate-papo

“Quantas boas ideias são tomadas numa roda de conselho homogênea que, quando vão a público, causam um impacto danado na imagem da empresa?”, questionou Ronaldo Ferreira Jr, sócio-fundador do Mestre Diversidade Inclusiva (MDI), um programa de capacitação e introdução à cultura da diversidade e inclusão no mundo corporativo. Em bate-papo com o blog do IBGC, Ronaldo contou como tem feito para preparar e provocar a atitude de colaboradores – de conselheiros à base da pirâmide, passando pelos executivos - para a construção de ambientes mais diversos e inclusivos nas organizações.

Um dos pilares da Agenda Positiva de Governança, lançada pelo IBGC em novembro do ano passado, é justamente a diversidade. Mas o que é diversidade? Segundo Ronaldo, diversidade é o primeiro passo para a inovação – que também é outro pilar desta agenda. No entanto, ainda é algo que pouco se vê nas empresas. “As pessoas que são a minoria nos conselhos são a maioria da sociedade. São a maioria dos consumidores”. Para o Ronaldo, que também é sócio da agência de eventos Um.a, essa ordem inversa impacta na saúde dos negócios. 

“Tem uma coisa que a gente aprendeu: a diversidade protege as empresas”, revelou Ronaldo. “Trazer essas pessoas para dentro das empresas protege as corporações porque é a elas que as empresas estão servindo!”, acrescentou. Mas para promover a diversidade dentro das empresas é preciso sensibilizar os colaboradores. E fazê-los entender a importância de se proteger. Como? Veja as ideias na entrevista a seguir. 

IBGC: Como você auxiliado as empresas a trabalhar a diversidade?  
Ronaldo Ferreira Jr.: Na agência Um.a, que é uma é uma agência que estrutura ventos corporativos, a gente começou a receber uma demanda de trazer essa questão de diversidade. Resolvemos então estruturar um programa de sensibilização de diversidade para empresas, pois este é, vamos dizer assim, o nosso lugar de fala. Unimos nossa experiência com o universo corporativo à metodologia global de educação de adultos desenvolvida pela Pearson Educacional para a criação do programa de capacitação MDI – Mestre da Diversidade Inclusiva. MDI é uma grande rede colaborativa, que busca, por meio de ações afirmativas, construir um ambiente saudável e sustentável. Destinado a empresas, a ideia é potencializar os talentos que estão nos grupos de identidade. 

Pode dar mais detalhes de como funciona na prática?
Temos uma formação de 15 horas, on-line e acessível, que é uma completa imersão pela diversidade no mundo corporativo. Por meio de boas conversas, convergimos as expectativas de dois grupos, que chamamos de aliados e protagonistas. Aliados são os que hoje já ocupam os postos de alto comando e dos conselhos de administração em sua maioria. De forma bem prática e simples, são identificados, em sua maioria, como os homens, heterossexuais, brancos e na faixa dos 50 anos. Os protagonistas são todas as demais representações de nossa sociedade. A gente sensibiliza a inclusão fazendo pontes ente eles. 

Qual é a razão principal para termos empresas mais diversas?
Tem uma coisa que a gente aprendeu: a diversidade protege as empresas. Hoje no Brasil nós somos duzentos e poucos milhões de pessoas, sendo que 120 milhões declaram-se como negros. Sem contar as mulheres. Então, essas pessoas são a maioria. E quando eu falo que trazer essas pessoas para dentro das empresas protege as corporações é porque elas simplesmente são maioria! Porque 66% do grupo que chamamos de minoria representam 76% do que é consumido no comércio, então, que papo é esse que as pessoas dentro das empresas não querem sair dessa bolha e não estão conversando com quem a empresa precisa servir? Essa responsabilidade social das empresas não é filantropia. Mas para os negócios. 

Pode explicar melhor esse conceito de que a diversidade proteger as empresas?
A diversidade protege porque melhora a tomada de decisão. Por exemplo: quantas boas ideias a gente não vê sair de uma roda de conselheiros e que não dão certo? No mundo da publicidade é muito comum. São ideias que parecem boas saindo de grupos que pensam de forma igual, porque saem de cabeças semelhantes, com pensamentos e referências similares. Quantas vezes não vimos acontecer algum problema grande quando uma campanha publicitária sai na mídia sem que tenha tido a diversidade aprovando, participando, degustando. E vira um impacto danado para a imagem da empresa. 

A diversidade protege por entregar outra visão da situação, seria isso?
Já imaginou se a gente tivesse num grupo de conselheiros mais mulheres, negros, LGBTQ+, pessoas com deficiência, pessoas da terceira idade, como iria ser? Porque se uma ideia parte dos iguais, se ela for uma boa ideia, ok, está lindo. Mas se for uma ideia que tenha alguma fragilidade no contexto de sociedade ela seria logo protegida, antes de vir a público. Então, quando ampliamos essa visão das coisas a gente protege aquela organização porque ela fez aquela ideia ser passada pelo crivo de toda representação de uma sociedade. Ou seja, caso houvesse representantes dessa diversidade a empresa estaria protegida. Em resumo é isso. 

Em recente entrevista ao Blog do IBGC, a Lisiane Lemos, do Conselheiras 101 disse que os responsáveis por diversidade nas empresas estão sofrendo de estafa porque é muito difícil romper a barreira dos homens que se conhecem há anos, fazem piadas entre eles etc. E você fala de sensibilização. Como é possível colocar isso em prática?
A primeira barreira é o fato de sermos ignorantes. E quando a gente não sabe, a gente faz piada mesmo. Porque fomos criados num mundo de estrutura machista, homofóbica, e isso é tão estruturado que a gente nem se dá conta. Sensibilização é dar o primeiro passo: reconhecer. Dizer: “não se sinta envergonhado de não ter tratado ainda do tema, de ter feito as piadas”. Depois, é saber que esse processo precisa vir das lideranças. A diversidade precisa entrar pelas áreas de atrito das empresas. E por isso tem que vir das lideranças. Porque a empresa vai precisar do tempo das pessoas, vai precisar de algum dinheiro para criar esses processos de sensibilização e vai precisar de exemplo – de preferência que venha das hierarquias mais altas. Mas logo em seguida entram em cena os comitês de diversidade, o pessoal de compras, o pessoal que cuida dos serviços, da segurança, da faxina, da área jurídica, área de comunicação e, claro, do recrutamento.  

Quando você conta, parece tão simples...
Olha, não estou dizendo que é a coisa mais fácil do mundo, mas as empresas maiores, para se ter uma ideia, 94% delas já tem uma iniciativa para abraçar as diferenças e incluí-las. A questão é que 76% dos colaboradores e clientes ainda não reconhecem esse esforço. Talvez seja isso, que falte: tornar essas ações mais reconhecidas. A McKinsey mostrou para gente um estudo que indica que no mundo corporativo os colaboradores gastam ¼ do tempo deles tentando sobreviver aos ambientes hostis, às situações que eles não estão confortáveis. As empresas precisam ter certeza: quando você tem aquele ambiente de trabalho que é um inferno de se trabalhar, as organizações estão pagando 12 meses, mas quatro estão sendo jogados fora em termos de produtividade. Por isso que a diversidade é um papo abundante porque temos laços. Mas a bolha na qual estamos não nos permite ver que estamos comendo bola. No Brasil já tem empresa até com superintendência de diversidade. Da mesma forma que nós dois nessa entrevista estamos animados com o tema, porque percebemos que a diversidade fala com todo mundo. Porque a diversidade está na nossa família, amigos, na escola, no transporte que pegamos. Por que ainda não está nas empresas? 

O que diria aos conselhos de administração para estimular a diversidade?
Os conselhos precisam se proteger com diversidade nosso conselheiro está ainda muito longe de tudo que pode o proteger. Porque a estrutura que ele deve proteger está muito desprotegida ainda. Porque atualmente, quando não há nos conselhos esse diálogo sobre diversidade, eu sinto até que os conselheiros ficam meio deslocados. Com o processo de inovação tecnológica foi também um pouco assim, mas o legal é que já se começou a entender que o processo de diversidade deve vir antes da inovação. Então estamos tendo a chance de voltar a uma etapa, para depois conseguir pegarmos a inovação e tocar com ressignificação, funcionando a serviço da empresa. 

Por que a diversidade precisa vir antes da inovação?
São atitudes simples que podem significar um avanço de pelo menos 5% no seu negócio. Há pesquisas apontando que à medida que a diversidade vai aumentando, as pessoas vão se sentindo mais seguras e confortáveis. E ambientes mais seguros   projetam em 70% o avanço em inovação. As empresas que primeiro inovam nesses tempos não são as que gastam mais com tecnologia, mas as que abraçam as diferenças. A inovação não está na máquina, está em quem processa a máquina. Então isso é legal porque ao mesmo tempo que é tão simples, parece um papinho de bar, é uma visão que muda o destino de tudo: da organização, do colaborador, do entorno, enfim, da sociedade. E é por isso que as empresas têm esse senso de urgência: não adianta eu gastar dinheiro com tecnologia de ponta se as pessoas nas empresas entenderem que o computador é seu inimigo. 

No que a diversidade pode ser positiva para o conselheiro, como indivíduo?
A diversidade é uma chance a mais para que ele consiga incentivar a organização a mergulhar nesse processo de inovação a partir das pessoas. Porque uma vez que ele perceba que ele também é uma pessoa, ele vai se perceber também como um protagonista deste processo de inclusão. Veja só: o conselheiro no Brasil tem, geralmente, o perfil de um homem de mais de 50 anos. Então, ele não é só um aliado, ele está no caminho para se tornar um protagonista. Ele já está sentindo algumas coisas, porque ele ainda tem muito a contribuir e não quer ir embora somente porque envelheceu. Porque diversidade também inclui pessoas de diversas faixas etárias. 

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