Conselho do futuro e o balanço entre propósito e ROI

"Qual sentido da existência das empresas/pessoas jurídicas? Sempre foi a geração de valor para o acionista. Mas há muito tempo também entrou em discussão se a sua primeira responsabilidade não seria com a sociedade, através da criação de empregos, excelência nos produtos e responsabilidade socioambiental"

  • 21/01/2020
  • Autor convidado
  • Comissão debate

Estávamos todos reunidos para uma nova reunião de conselho e muito motivados com um dos temas da pauta: o estabelecimento de um propósito para os negócios como uma condição para a competitividade da empresa. Sim, porque competitividade tem tudo a ver com produtividade da equipe, como por exemplo a equipe de conselheiros, e será responsável pelo sucesso ou fracasso de uma estratégia. E esta, por sua vez, inicia-se, de uma forma ou de outra, no propósito da empresa. Negócios, acima de tudo, são feitos de pessoas, e pessoas precisam se conectar a algo maior do que elas próprias para se motivarem. E encontramos essa conexão no propósito.

Leia os artigos anteriores da série: o conselho do futuro é hoje e uma reflexão estratégica sobre os desafios dos conselhos em 2030

Porém, tão importante quanto isso é como iríamos balancear esse propósito com o ROI para acionistas. E como sempre fazemos em nossas reuniões, e já mencionamos antes, olhando os vários aspectos envolvidos. Será que um maior alinhamento da atuação do conselho de administração com propósito da empresa afetaria desde a composição do colegiado e o perfil ou competências, até a dinâmica de trabalho, relacionamento com stakeholders, ética, avaliação e remuneração?

Não vou relatar aqui toda a discussão riquíssima que tivemos, mas sim alguns dos pontos que entraram na nossa ata de reunião.

Concordamos que a composição do conselho deveria ter presença de pelo menos um acionista fundador ou representante dos acionistas que têm no seu DNA o propósito original da empresa. A diversidade na sua forma mais ampla é muito importante e conselheiros (representantes dos acionistas e independentes) de pelo menos três gerações passarão a ter maior significado. Assim como critérios de seleção de membros aderente ao propósito da empresa (critérios 3BL e ESG) junto com comitês de especialistas.

Quando abordamos o assunto do perfil e competências, a experiência (como executivo ou conselheiro) em organizações que praticam e medem propósito (KPIs financeiros, sociais, ambientais e de governança) passa a ter papel fundamental. Mas alguém levantou um tema de suma importância: o quanto os conselheiros que se destacam por promoverem os temas de propósito, confiança e cultura da empresa interna e externamente serão mais requisitados.

Também discutimos o quanto será importante um CA itinerante (reuniões alternadas) ajudando a promover iniciativas de aproximação e envolvimento da empresa com stakeholders e comunidade em geral.

Mas, meus amigos, a reunião "esquentou" quando pulamos para o item avaliação dos conselheiros com foco nesse balanço (propósito e ROI). E a conclusão foi a necessidade de medirmos conhecimento e contribuição. Como? Bem, vamos precisar aprofundar este assunto tão delicado, mas provavelmente com uma pesquisa junto aos stakeholders. Como eles percebem a satisfação quanto às iniciativas/ações da empresa no atendimento de necessidades sociais, ambientais, comerciais, empregatícias etc.

Não se gerencia o que não se mede; não se mede o que não se define; não se define o que não se entende; não há sucesso no que não se gerencia". Essa máxima de William Deming mostra bem o caminho de um empreendimento cujo retorno dos investimentos não é analisado. Mas também está claro o quanto é importante esta medição a longo prazo levando em consideração o propósito das empresas.

E uma vez que discutimos a avaliação logo em seguida caímos na remuneração. Nova discussão de alto nível. Seria possível termos uma remuneração variável atrelada ao balanço entre propósito e ROI, inovação e prevenção de riscos? A primeira conclusão foi de que precisaremos de modelos de remuneração mais voltados ao longo prazo e perpetuidade da empresa combinados a modelos de proteção ao risco do negócio. Isto sincronizado com reconhecimento e distinção com foco no balanço do propósito vs ROI (mercado e interno).

Até que um dos nossos colegas conselheiros, tentando encerrar a reunião, pediu a palavra e disse em alto e bom som: "propósito sim, mas com o rigor das métricas financeiras". Olhamos todos um tanto quanto perplexos para ele como dizendo: qual parte da reunião você não entendeu? Era o nosso conselheiro com mais experiência na parte financeira da empresa. E não é que ele não deixa de ter razão? Precisamos entender a necessidade de um olhar sistêmico ao propósito da empresa. Sim, o propósito é de extrema importância, mas sem o resultado esperado a longo prazo que o propósito será capaz de alavancar, faltarão recursos para perpetuar a nossa razão de ser.

"Para sobreviverem, as empresas têm que pensar no lucro. Sem isso, não há empresa. O maior equívoco é focar apenas nele. As novas gerações desejam trabalhar em negócios humanos, com valores e propósitos que vão além das quatro paredes e do caixa. Os esforços devem estar voltados à construção de um ecossistema que valorize o indivíduo, que pense em questões ambientais, que olhe para o todo. Esse é o propósito maior. Estando focada nisso, em uma cultura forte, com rituais e valores caros, o lucro virá. É consequência"

Reunião encerrada por hoje. Todos saímos satisfeitos do exercício que fizemos.

Este artigo é de autoria de Ricardo Lamenza, participante do grupo de trabalho (GT) Conselho do futuro do IBGC. Seu conteúdo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do instituto.