Como enfrentar os riscos climáticos com celeridade?

 Para Marina Grossi, presidente do CEBDS, escuta ativa e comunicação transparente são alguns dos princípios para esta agenda

  • 22/07/2021
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

No ano de 2006, um dos alertas do Relatório de Riscos Globais, o The Global Risks Report, dizia que uma gripe mundial, com propagação facilitada pelos padrões de viagens globais, representaria uma ameaça aguda à população do mundo todo. Por isso, diante dos impactos que poderiam comprometer diferentes setores de serviços, bem como as cadeias de suprimento de manufatura e varejo, a colaboração entre a sociedade era urgente para evitar esse e outros riscos relacionados à saúde e ao meio ambiente.

O alerta esteve presente em outras edições do relatório. Mas foi só em 2020, 15 anos depois, quando o cenário de pandemia se concretizou, ao lado de outras urgências climáticas que trazem riscos à humanidade, é que houve mais aceleração e redirecionamento de recursos para esse e outros problemas por parte das empresas. No relatório de 2021, por exemplo, foi possível observar que aproximadamente 60% dos entrevistados responderam “doenças infecciosas” e “crises de subsistência” como as principais ameaças de curto prazo para o mundo. 

Assim, considerando a necessidade de chamar a atenção e encontrar maneiras mais eficazes de identificar e comunicar o risco aos tomadores de decisão, o Blog IBGC conversou com Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Marina apontou algumas razões que fazem com que as mudanças demorem tanto a acontecer, mesmo com alertas prévios se configurando há tanto tempo. A especialista comentou a relevância de uma agenda estratégica nos conselhos e ressaltou como as boas práticas de governança podem apoiar uma aceleração para que problemas como aquecimento global e outros riscos sejam mitigados.

Ela ainda compartilhou suas expectativas para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP-26, principal cúpula da ONU para debate sobre questões climáticas, que será de 1 a 12 de novembro deste ano, em Glasgow, na Escócia. Leia a seguir a entrevista com Marina na íntegra.

Blog do IBGC. As mudanças rumo ao net-zero têm caminhado de forma muito lenta em algumas empresas e as demandas globais de emissões de poluentes até 2050 são urgentes. A quais fatores podemos atribuir esta jornada mais lenta em algumas companhias?
Marina Grossi: Um fator que ainda prejudica esta celeridade é o fato de que muitas empresas não colocam o risco climático como algo prioritário em suas gestões. Em diversos países ferramentas como o Task Force on Climate-Related Financial Disclosures, o TCFD, e outras metodologias para avaliar estes riscos já são mandatórias e, em breve, também serão aqui no Brasil, o que faz com que seja fundamental entender e olhar para esses riscos para que as ações sejam aceleradas. Hoje, existem muitas oportunidades para as empresas na agenda climática, sobretudo no Brasil. O movimento tende a se acelerar muitíssimo já que vários países estão redirecionando seus recursos para essa agenda. Recentemente, o G20 ressaltou a necessidade de uma redução drástica nas emissões de carbono e citou a precificação como algo fundamental para este avanço. Além disso, há alguns anos, os próprios investidores estão pressionando as empresas. A Black Rock, uma grande investidora, também em recente anúncio, reafirmou seu compromisso de tornar a sustentabilidade parte integrante de sua forma de gerenciar os riscos. Para eles, o investimento sustentável será uma base fundamental para os portfólios dos clientes. Dessa forma, tanto investidores quanto consumidores se tornam fatores de pressão fundamentais para a aceleração de um quadro de gestão de risco climático nas empresas.

Quais são as ações, na sua avaliação, que devem entrar na agenda estratégica dos conselhos e demais áreas gestoras contra o aquecimento global?
As ações, para fazerem sentido, dependem muito do setor em que a empresa atua. Quando pensamos na indústria agropecuária, por exemplo, é fundamental que elas sustentem bandeiras contra o desmatamento ilegal, já que muitas vezes há acusações de estarem expandindo suas áreas. Isso abala profundamente a sua reputação. Neste sentido, o Brasil tem peculiaridades, já que é o sexto maior emissor de gases do efeito estufa (GEE) e no qual o uso da terra responde por mais de dois terços das emissões. Além disso, na agricultura, políticas de rastreamento são capazes de mostrar o compromisso da empresa com os padrões de sustentabilidade. Hoje, o ESG está incorporando políticas de licença para operar e precisa fazer parte da gestão das empresas. Já quando falamos sobre bancos, por exemplo, eles precisam estar vinculando sua carteira à investimentos que tenham critérios ESG. Assim, como devem interditar créditos que promovam desmatamento, ou que viabilizem projetos baseados em carvão. Um dos maiores desafios é relatar e entender o escopo 3, que reflete as emissões na cadeia de valor, por exemplo. O escopo 3 pode representar a maior parcela das emissões de uma empresa. E, neste sentido, as empresas vão precisar cooperar e trabalhar juntas para mapear e reportar essas emissões e pensar soluções para descarbonizar as operações. No ano passado, tivemos ainda a carta de Larry Fink, sinalizando que haveria uma migração de recursos para negócios que identificassem seus riscos e assumissem postura propositiva diante deles.

Como as boas práticas de governança podem apoiar uma aceleração?
Uma boa governança tem que se estruturar bem. Ter processos em que o risco climático é observado, além de uma comunicação com todos os stakeholders bastante transparente. Ter valores e processos que garantam que os objetivos da empresa serão realizados e uma escuta atenta para incorporar as demandas legítimas dos stakeholders, monitorando e prestando contas da maneira mais transparente possível. Boas práticas de governança também significam diversidade nos conselhos, seja de gênero, racial, geracional. Já existem inúmeras comprovações de como a diversidade significa maior competitividade e resiliência nos cenários cada vez mais complexos que as empresas enfrentam. O Relatório de Risco Global de 2021, o Global Risk Report 2021, trouxe uma ampla perspectiva sobre as principais ameaças que podem afetar a prosperidade mundial neste ano e na próxima década. Nele pondera-se que a resposta a Covid-19 oferece quatro oportunidades de governança para fortalecer a resiliência dos países, empresas e da comunidade internacional: formulação de estruturas analíticas que adotam uma visão holística e baseada em sistemas dos impactos de risco; investir em “campeões de risco” de alto perfil para encorajar a liderança nacional e a cooperação internacional; melhorar as comunicações de risco e combater a desinformação; explorar novas formas de parceria público-privada na preparação para riscos.

Quanto às práticas de sustentabilidade, em que as empresas podem investir mais para enfrentar a complexidade da agenda e oferecer mais transparência a investidores e consumidores?
Em comunicação transparente, escuta ativa, provocação constante e proatividade. Além disso, é necessário ter um board diversificado, como disse acima. Diante de todas as complexidades enfrentadas, quanto mais diversificado e complementar for o conselho, melhor a empresa poderá responder aos desafios. O fato é que as empresas precisam ter a sua função social e as pessoas beneficiadas ou afetadas pelo negócio representadas em seus conselhos

Um dos especialistas em clima já entrevistados pelo Blog do IBGC, Nigel Topping, já afirmou que o Brasil tem grande capacidade na área de biocombustíveis e a COP 26 – que será em novembro deste ano – é uma oportunidade para recuperar sua credibilidade no cenário internacional. Qual a sua expectativa para a COP 26?
A expectativa é que o setor empresarial brasileiro responsável tenha a sua voz mais alta do que o ruído que acontece em torno do desmatamento e de outras questões ambientais brasileiras. Esperamos que seja ouvido o lado sério, o lado comprometido com a sustentabilidade. As empresas têm se reconhecido não só como responsáveis pelos problemas, mas principalmente, como parte da solução, influenciando seus stakeholders nesta transição e até mesmo seus setores econômicos. O Brasil possui um potencial incomparável com o resto do mundo para as soluções baseadas na natureza, com a maior biodiversidade e a maior floresta do planeta. A Amazônia oferece duas grandes soluções: ser o principal fornecedor de créditos dentro de um mercado global de créditos de carbono e ser a maior fonte de inspiração e implementação para SBN do mundo. O caminho para uma economia com base na natureza pode trazer oportunidades anuais de negócios no valor de US$10 trilhões que poderiam criar 395 milhões de empregos até 2030, segundo o New Nature Economy Report II, de julho de 2020.

O debate ambiental e social é um dos pilares da Agenda Positiva de Governança do IBGC. Conheça a agenda completa e saiba mais  clicando aqui.