“Cada geração terá a sua governança”

Para Carlos Mendonça, líder temático do IBGC Dialoga, longevidade de negócios familiares passa por coesão e capacidade de mudanças

  • 10/09/2021
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

Ao longo do segundo semestre de 2021, o IBGC promove uma série de debates entre pares, trazendo temas da governança corporativa em setores específicos. Trata-se da iniciativa IBGC Dialoga que nesta edição reúne seis grupos organizados nos respectivos setores: Conselheiros de empresas de controle familiar; Esportes, Financeiro, Energia, Indústria e Tecnologia. Cada grupo conta com cerca de 20 a 30 associados inscritos e é conduzido por um líder temático ou conjunto de líderes, além de facilitadores profissionais.

Para falar sobre o tema “Conselheiros de empresas de controle familiar”, o Blog IBGC conversou com o líder temático Carlos Mendonça, sócio na PwC que lidera os serviços para empresas familiares. Mendonça presta assessoria a famílias na preservação do seu patrimônio e em relação à governança corporativa e familiar, com foco em readequação da governança corporativa, planejamento sucessório, protocolos de família, acordos de acionistas e conselho de família.

No bate-papo, o especialista destacou a importância da adaptabilidade no ciclo de vida dessas empresas, além de descrever a relevância de atualização do Protocolo Familiar, documento direcionador da conduta da família empresária. Mendonça ainda abordou a questão geracional e reforçou que deve haver sempre um esforço para reconciliar os interesses da geração que lidera a companhia com aqueles das gerações anteriores. Confira a entrevista na íntegra:

BLOG IBGC: As empresas de controle familiar exercem influência e movimentam a economia de países no mundo todo. No Brasil não é diferente. Você poderia comentar um pouco das características dessas empresas, hoje, no nosso país?

Carlos Mendonça: No Brasil, os maiores grupos empresariais têm a presença dominante da família e essa característica faz com que os familiares decidam o destino da organização. Não é possível governar uma empresa deste tipo da mesma maneira como se governa uma empresa de controle difuso. Então, eu apontaria alguns desafios para as empresas de controle familiar, que inclusive estamos abordando no IBGC Dialoga. Primeiro, a questão de estratégia: claramente, a agenda do dono influencia os interesses da empresa e essa é uma questão relevante, porque influencia o portfólio dos negócios. Por exemplo, uma família que tem por interesse manter o fluxo de dividendos mais constante, vai gerenciar seu portfólio para negócios que sejam mais constantes. Então, ela não vai querer investir em negócios muito atrelados com preço de commodities com alta volatilidade. Neste exemplo, é possível observar que o interesse da família em ter um fluxo de dividendos constante, está influenciando o destino do portfólio de negócios daquela companhia. Outro ponto, sobretudo em empresas familiares mais longevas, embora não tenhamos nenhuma no Brasil de 300 a 400 anos, é que elas mudam de negócio muitas vezes durante o seu ciclo de vida. Essa é uma característica que as empresas familiares têm. Uma empresa fundada na época do descobrimento do Brasil, certamente, não estará no mesmo negócio iniciado há muito tempo atrás.

Sobre este assunto da longevidade, a partir da sua experiência, quais aspectos você têm observado que fazem toda diferença na longevidade dessas empresas?

Outro exemplo, é que nós da PwC junto com IBGC tivemos a oportunidade de visitar diversas empresas que possuem cerca de 300 a 400 anos na Alemanha. Essas empresas são mais antigas que a própria Alemanha, como país, inclusive se estabeleceram antes da Revolução Industrial, passaram por duas guerras mundiais, pela hiperinflação e também por diferentes regimes políticos. E essa capacidade de mudar de negócio diversas vezes e se adaptar é uma das características responsáveis pela longevidade. Em uma conversa com um dos CEOs dessas empresas, foi possível descobrir que ela tinha mais de 700 acionistas, muitos não se conheciam. Mas uma das coisas que o CEO mencionou é que há um apego muito grande com a empresa, apesar de cada um ter uma parte muito pequena do negócio. A empresa longeva é aquela que tem a capacidade de mudar de negócio, mas ao mesmo tempo manter o apego ao legado. Parece paradoxal, mas se há interesse em ter uma empresa longeva é necessário estar preparado para sair e entrar em diferentes negócios.

Mas pensando na questão geracional, quais são os desafios?

Outro ponto crítico à empresa familiar é a coesão. Como você mantém a coesão através de gerações ou até mesmo de uma geração para outra? Cada geração tem seus próprios interesses e esse ponto é interessante, porque revela uma situação paradoxal. Um herdeiro, por exemplo, pode ou não trabalhar no negócio da família. Ele não tem que trabalhar. Então, surge a importância de estruturar a governança familiar e não apenas a governança da empresa.

Como fazer para que a família empresária compreenda a relevância da  governança familiar e da governança corporativa em seu negócio?

Primeiro, entender que são coisas diferentes. A governança da empresa se refere às metas, lucro, competição, profissionalização. Enquanto isso, a governança familiar envolve a emoção e os relacionamentos. A grande cola entre ambas são os valores. As empresas familiares são movidas por valores e pela sua história. Isso precisa ser reconhecido, praticado e bem articulado. Esses valores estão, muitas vezes, na jornada do fundador, alguns deles em muitos casos começam com muita dificuldade, são até mesmo imigrantes que não tinham alternativa a não ser empreender no novo país. Muitos desses valores estão lá na fundação da companhia, portanto, é muito importante que eles estejam formalizados e articulados para que todos os membros da empresa vivam isso.

Qual a importância do Conselho Familiar na formalização e na prática desses valores?

É o Conselho de Família que promove esses valores, que cuida, articula e cria as regras da família. Quando você fala da empresa, você tem o acordo de acionista, que é um documento formal e legal, que você tem que ter. Mas nas empresas familiares deve haver também o protocolo familiar, que são as regras morais que determinam como esta família deve se comportar. No entanto, é algo sob medida, pois não adianta eu pegar o protocolo da família A e achar que vai servir para a família B. Ele é construído para cada família. Ali tem as emoções e a história. É algo personalizado. Assim, o Conselho de Família é o grande guardião desses valores e tem papel fundamental de educar a família para que ela entenda o porquê destas regras. No IBGC Dialoga, vamos trabalhar com o tema da sucessão na família, pois estes membros que estão atuando no Conselho de Família também têm que ser sucedidos e preparar pessoas para executar seus papéis hoje. Isso se refere à sucessão de patrimônio, algo que é super emocional, pois quando você passa o patrimônio, você está passando a sua segurança. Aquele poder financeiro, acaba não existindo mais. Tudo isso na sucessão tem que ser considerado, inclusive olhar para a relação entre as pessoas que vão te suceder.

Na sua avaliação, há certa resistência à criação dos Conselhos Familiares em algumas companhias?

Já foi possível observar que algumas famílias alegam ser muito pequenas e, por isso, entendem que não precisam de um protocolo de família. Mas é necessário sim, pois têm aspectos no protocolo que a família precisa construir antes que eles sejam necessários, pois ela vai recorrer a isso em um momento de crise. Se ela estabeleceu e combinou as regras antes, é muito mais fácil dirimir um conflito. O protocolo de família é um documento muito importante. Com ele, as famílias se educam e aprendem a se comportar nesse ambiente familiar que tem como interesse comum o negócio.

De que maneira o Conselho de Família pode atuar para assegurar que as melhores práticas de governança sejam transversais a todas as gerações?

Governança não é uma coisa estática. O que eu observo é que cada geração terá a sua governança. Com a aceleração de todos os temas, em que tudo acontece mais rápido, associado à longevidade das pessoas, será necessário atualizar as regras de governança familiar e as de governança corporativa mais vezes. Eu conheço empresas que, periodicamente, atualizam seu protocolo de família. Inclusive, o protocolo de família deveria ter data de validade, pois na hora que entra uma nova geração, ela traz novos valores que precisam ser reconciliados com aqueles valores que vêm sendo praticados há muito tempo na companhia. Logo, o tema da coesão que já falamos, à medida que as gerações passam, se torna mais relevante. Há empresas com 100 ou 200 acionistas e essas pessoas, possivelmente, não se conhecem direito. É muito difícil estabelecer relações de confiança com quem você não conhece. Uma segunda geração, certamente, foi criada dentro da loja, foi criada no pátio da indústria. Uma quarta ou quinta geração não tem vínculos com o negócio assim como essa segunda geração. Então, tudo isso é trabalho do Conselho de Família para que esses vínculos que foram distanciados pelas gerações e pela falta de convívio sejam fortalecidos.

Considerando que temos passado por um período sem precedentes como é o caso da pandemia de Covid-19 que afetou muitas empresas, quais são as principais preocupações do público do “IBGC Dialoga Conselheiros de Empresas de Controle Familiar”?

Existe um interesse muito grande em conhecer a dinâmica das empresas familiares que parte tanto das pessoas que atuam em conselhos ou daquelas que buscam atuar neste mercado, com a finalidade de ajudar mais as famílias e seus negócios. Mas existe ainda um certo misticismo do que é uma empresa familiar, suas dificuldades e seus desafios. Ao mesmo tempo, tenho visto que as pessoas têm buscado se educar para atuar melhor como conselheiros destas empresas e, no IBGC Dialoga, temos um grupo que já atua em governança de empresa familiar. Basicamente, temos conselheiros de empresas familiares ou presidentes de conselhos. São pessoas que conhecem o dia a dia e tem muito a contribuir. No fundo, com o IBGC Dialoga está todo mundo ensinando um ao outro.

Para saber mais sobre o IBGC Dialoga, espaço colaborativo de reflexão criado para estimular a troca e o diálogo entre pares, acesse aqui.